Sobre estar bem (não só nas mídias sociais)

Cuidar da saúde emocional deve ser algo diário

Você está bem?

E pergunto isso não apenas por cordialidade de cumprimento, mas porque estar bem, nem sempre é algo fácil.

Nas últimas semanas viralizou o meme “e fora dos stories você tá bem?” e isso levantou uma importante discussão sobre saúde emocional (ou a falta dela).

 

Crédito: Unsplash/Finn

As mídias sociais viraram uma régua do que é considerada a vida perfeita. As plataformas que deveriam servir para registrarmos momentos e compartilharmos um pouco da nossa vida com amigos e conhecidos, acabou se tornando motivo de sofrimento. Já em 2019 se estimava que para 41% dos jovens brasileiros, as redes sociais causam sintomas como tristeza, ansiedade ou depressão.

Vemos ainda influenciadores e marcas que, na tentativa de criar um conteúdo inspirador, acabam na verdade promovendo a positividade tóxica.

 

@ritaboooh

 

Isso acontece porque acabamos caindo no mecanismo da comparação. E se estamos passando por um momento ruim, estamos insatisfeitas, o peso de se comparar com uma “suposta vida perfeita” acaba sendo muito maior.

Mas acredite, a vida não é fácil nem bela o tempo todo.

Nem para quem posta só recortes de #plenitude e #gratidão da sua realidade.

As hashtags #burnout, #gastrite e #desidratadadetantochorar não costumam aparecer com a mesma frequência, mas não são poucas as pessoas que se identificam com elas.

E antes de entrar no assunto dessa semana, temos ainda o caos que foi e ainda está sendo essa pandemia. Faltam apenas quatro meses para 2022 e ainda sentimos que a vida parou em 2020. Cadê o conforto da linearidade do tempo?

A pandemia fez a gente se questionar algo como “estou vivendo ou apenas existindo?”, sem contar a dor do luto pela qual tantas pessoas passaram, a incerteza sobre o futuro e as dificuldades financeiras. Esse foi inclusive o tema do concurso fotográfico Wellcome Prize 2021, que mostra os efeitos da Covid-19 sobre a nossa saúde emocional.

 

WPP 2021 Mental Health/Jameisha Prescod

 

Dito isso, e mesmo que a essência da Pollyanna habite sua alma, é muito difícil estar bem, online ou offline, no feed ou nos stories.

Não estar bem é normal. Mas quando isso perdura, quando a sensação é de se estar sem saída ou sufocada, quando tudo parece difícil demais para suportar… precisamos prestar atenção.

Sim, hoje vamos falar sobre suicídio.

Chegamos ao setembro amarelo, mês do Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio (10 de setembro), que é uma tema muito sério e precisa ser tratado com cuidado.

Há controvérsias sobre abrir uma caixa de perguntas e respostas no Instagram falando “conte comigo para desabafar, estou aqui para você”. Se por um lado oferecer sua escuta possa sim ajudar alguém a se sentir confortável para falar sobre seus sentimentos, nesse tipo de crise é fundamental ter a presença de um profissional treinado.

Provavelmente todo mundo já teve o pensamento de que gostaria de sumir, desejou que o chão se abrisse e engolisse você ali mesmo ou simplesmente ficou incapaz de enxergar qualquer coisa boa na sua vida.

 

Crédito: Unsplash/Megan te Boekhorst

Esses sentimentos, quando vêm e vão como ondas, são normais. Cuidar do nosso emocional é tão importante quanto cuidar da saúde física e deveria ser um hábito diário, que nem beber água e dormir.

Felicidade e tristeza não são estados imutáveis, onde chegamos e de lá nunca mais saímos. Precisamos entender isso para valorizar os momentos bons e não ampliarmos os ruins.

Mas para alguém que está com um grau mais grave de depressão não é fácil sentir essa transitoriedade. E o suicídio é uma consequência de um processo. Um processo que geralmente tem sinais e que pode ser tratado. A maioria dos suicídios pode ser evitada.

No Brasil estima-se que 6% da população tenha depressão. Isso equivale a cerca de 12 milhões de pessoas. A depressão costuma ser duas vezes mais frequente em mulheres do que em homens. E muitos estudos tentam investigar as possíveis causas da depressão que podem ser biológicas, psicológicas, sociais e culturais. Não há um único padrão e ela pode atingir qualquer pessoa em algum momento da vida.

 

 

O ato em si é mais frequente em homens do que em mulheres, mas elas são maioria em relação às tentativas do que eles. Alguns estudos relacionam isso à dificuldade que muitos homens têm de se abrir sobre seus sentimentos ou mesmo ter alguém com quem conversar sobre.

Há ainda um recorte social importante a ser feito, sendo o perfil mais comum entre as pessoas que tiram a própria vida o das que vivem em um cenário de exclusão social com dificuldade de acesso a oportunidades. Entre 2011 e 2017, homens e mulheres negros entre 15 e 29 anos foram 54% das vítimas de suicídio.

Solidão e depressão se relacionam ora como causa ora como efeito uma da outra, e isso nos faz entender alguns recortes de gênero no debate da saúde emocional, como é o caso da questão da solidão da mulher negra, mais uma consequência do racismo que passa pela hiperssexualização dos corpos negros e pelo preterimento afetivo.

Falamos com a psicóloga Luiza Assumpção e ela mencionou a importância de desmistificar os tabus sobre a saúde emocional. Assim como nosso corpo físico pode adoecer, nossa mente também está sujeita a isso. E se é tudo bem não estar bem, isso não precisa ser assim sempre. É possível e recomendável buscar ajuda e tratamento.

 

Ninguém escolhe estar deprimido, mas acontece. Não é falta de força de vontade, de fé, não é fraqueza nem sensibilidade. Apenas acontece.

Às vezes a pessoa se sente em um buraco do qual não consegue sair e nessa hora podemos demonstrar que estamos ao lado dela, para caminharmos juntas, para apoia-la, com pequenos mas consistentes avanços. E também é aí que a medicação pode trazer efeitos muito positivos. Por si só um remédio pode não ser suficiente, mas ele abre o espaço necessário para a pessoa conseguir se movimentar ou ao menos iniciar o seu processo de cura.

A Luiza explicou que quando estamos deprimidas, sentimos que não conseguimos fazer a vida acontecer ou que ela está acontecendo sem que a gente participe. Precisamos abrir esse espaço para nos motivar a participar e não há nenhuma vergonha em precisar de remédio ou de processo terapêutico para ter esse impulso inicial.

 

Crédito: Unsplash/Velizar Ivanov

E como notar que alguém está deprimido?

Não existe um manual de regras e muitas pessoas conseguem ocultar seus sintomas, mas alguns sinais são comuns em muitos casos:

– perda de interesse em fazer coisas que antes gostava

-desesperança e apatia

-cansaço e falta de energia constantes

-insônia ou excesso de sono

– falta de apetite ou compulsão alimentar

– dificuldade de concentração

E se quisermos ajudar alguém que esteja com depressão ou passando por uma crise, é fundamental ter empatia.

– Não tente mostrar que existem outras pessoas com problemas maiores que o dela

– Não tente estimulá-la tentando mostrar o lado bom das coisas.Talvez ela não consiga ver isso naquele momento

– Não diminua sua dor, não diga que é bobagem, que vai passar. Algumas pessoas só vão conseguir melhorar com ajuda profissional e medicação

– Nunca a culpe por estar se sentindo daquele jeito. A depressão tem muitas causas, mas nunca é culpa de quem está sentindo ou fraqueza

– Não julgue

– Escute e demonstre que você se importa

– Se mostre presente

E quem tem depressão gostaria que você soubesse de algumas coisas:

– Não é algo que dá para ligar e desligar

– Não precisa ter um grande motivo como o fim de uma relação ou qualquer ruptura

– Estar triste é diferente de estar deprimido

–  Você se isola por achar que é um peso para os outros

– Até pequenas ações do dia a dia, como tomar banho, podem ser difíceis durante uma crise

– Você pode ter dias bons mesmo estando deprimido

– Mesmo sem demonstrar, palavras gentis e tentativas de ajudar são bem-vindas

Nossa existência aqui é finita. Considerar encurtar essa viagem é uma forma de impedir que a gente seja surpreendida positivamente pela vida. E ela surpreende.

Mesmo que agora tudo esteja difícil demais ou você sinta uma dor que parece que nunca vai diminuir, saiba que dá para cuidar disso. Permita se curar e ver o que te espera. Você importa.

 

Crédito: Unsplash/Agnaldo Andrella