Precisamos ressignificar a palavra “bruxa”

Se ser bruxa é ser uma mulher livre, todas somos

Chegou o Halloween ou ainda Dia das Bruxas, e por que não Dia do Saci? Afinal sempre é bom valorizar a cultura e o folclore nacional.

O termo halloween em inglês é uma contração da frase “All Hallow’s Eve” (Véspera de Todos os Santos) e, como muitas datas, tem sua origem em tradições pagãs, ligadas às mudanças de estação, à celebração das colheitas e à fertilidade da terra.

Talvez seu Dia das Bruxas perfeito seja o de maratonar filmes de terror comendo docinhos gostosos ou então você seja mais fã das festas à fantasia onde podemos caprichar no visual e viver uma personagem.

 

Mas hoje queria focar na palavra “bruxa”. Adjetivo ainda usado de forma pejorativa como em “aquela bruxa”, mas que está mais do que na hora de ser ressignificado.

Afinal estamos falando de mulheres.

Mulheres que foram perseguidas e isso não é lenda ou mitologia, é história.

Mulheres com conhecimentos que eram considerados inadequados. Aliás, qualquer conhecimento foi vetado às mulheres por um bom tempo…

Mulheres que ajudavam outras mulheres. Que curavam suas semelhantes. Que conheciam plantas medicinais cujos princípios ativos são utilizados até hoje pela medicina moderna.

Mulheres que questionavam aquilo que não concordavam. Que eram independentes.

 

E o pior, a caça às bruxas continua até os dias de hoje.

Historiadores dizem que pelo menos 80 mil a 100 mil pessoas foram levadas a julgamento por bruxaria entre 1400 e 1750. Desse total, cerca de 80% eram mulheres, segundo um levantamento de Geoffrey Scarre, professor de Filosofia da Universidade de Durham no Reino Unido.

Um dos principais livros medievais que trata sobre bruxaria, o Malleus Maleficarum afirma que as bruxas eram frequentemente mulheres por serem “mais fracas e portanto suscetíveis às influências do mal…”. A obra ainda destaca como principal perfil não só mulheres, mas mulheres pobres, solteiras ou viúvas.

Podemos dizer que essa caçada foi superada? Em partes. Não queimamos mulheres em praça pública. Mas quantos desses valores ainda estão no nosso subconsciente? Quantas mulheres ainda são julgadas e questionadas por suas escolhas?

 

 

A mulher que vive sua sexualidade livremente é considerada vulgar ou promíscua. A que quer fazer escolhas sobre seu corpo é julgada como se estivesse contrariando um papel divino e a que não quer ser mãe “só pode ser uma pessoa ruim”…

Enquanto houver machismo, intolerância religiosa, menos empenho no combate ao feminicídio, enquanto impuserem sobre nós e nossos corpos aquilo que não queremos, significa que ainda estamos vivendo uma forma de inquisição.

Assustadoramente, e mais assustador do que qualquer filme de terror, é que a caça literal às bruxas continua. O Conselho de Direitos Humanos da ONU documentou 22 mil vítimas acusadas de bruxaria nos últimos 10 anos, e esse número pode ainda ser maior. Segundo o levantamento, só na Tanzânia mais de mil pessoas morrem anualmente por esse motivo. Na Índia, entre 2000 e 2016, a polícia registrou 2,5 mil assassinatos por suspeita de bruxaria (120 em 2020). Até por isso, por essas ocorrências que persistem, 10 de agosto foi declarado Dia Mundial contra a Caça às Bruxas.

Recentemente, a jornalista filipina Maria Ressa foi uma das contempladas com o Nobel da Paz, por seu trabalho em prol da liberdade de expressão. Ela que já foi presa por exercer seu trabalho de difusão da informação, do conhecimento, em um país que assassina jornalistas. Impossível não traçar o paralelo e considerá-la uma bruxa moderna.

E é justamente nesse sentido que precisamos ressignificar o nosso entendimento e a conotação da palavra bruxa.

Você não precisa acreditar em magia para perceber que nós, mulheres, vivemos rodeadas de alguns rituais mágicos.

 

Unsplash/Content Pixie

Cuidar de nós mesmas é um ritual.

Viver o nosso ciclo menstrual é um ritual e muitas mulheres hoje retornaram ao hábito de “plantar a lua”, ou seja devolver sua menstruação à terra, uma forma de desmistificar essa fase que vivemos todos os meses, de se conectar com a natureza, de entender que nosso sangue não é algo sujo, repulsivo, mas natural.

Somos bruxas porque temos uma intuição forte. E isso não acontece por algum poder sobrenatural, mas porque somos mais empáticas, temos a capacidade de nos colocar no lugar do outro e entender sua dor.

Somos bruxas quando escolhemos ser livres e viver a vida do jeito que queremos.

Somos bruxas ao chegar a um cargo de liderança. E chegamos lá não porque fizemos um feitiço, mas porque acreditamos em nós mesmas e não aceitamos quando nos dizem que “lugar de mulher é aqui ou ali”. Nosso lugar é onde a gente quiser.

Somos bruxas ao nos conectar com nosso sagrado feminino, com nossa ancestralidade.

 

Continuaremos sendo transgressoras diante das injustiças. Sabemos da nossa força quando estamos juntas e enquanto uma de nós não for livre, nenhuma de nós pode achar que está tudo bem.

E nesse sentido, somos todas bruxas!