Existir e resistir entre perdas e angústias

Precisamos viver o hoje, mesmo com todas as dificuldades

Para algumas pessoas o simples ato de existir sempre foi também uma forma de resistência. Resistir a um mundo tão desigual, preconceituoso, difícil e não inclusivo.

Ultimamente existir tem sido uma prova de resistência para todas nós, diante de uma crise de saúde tão grave e que já levou tantas vidas embora, tantos sonhos, tantas possibilidades.

Mas para nós, que tivemos a sorte de ainda estar aqui, que temos o privilégio de poder seguir nossas atividades mesmo que de forma virtual, o que dizer sobre a nossa existência? Estamos vivas ou apenas respirando até tudo passar?

É muito mais fácil respirar fundo após um dia ruim, sabendo que é apenas isso, um único dia ruim, mas estamos há mais de um ano vivendo essa vida limitada, sem saber quando tudo vai passar.

Não está fácil.

Como ter uma boa existência sem podermos vivenciar coisas novas, conhecer gente, só trancadas dentro de casa?

Às vezes não fazer nada é mais difícil do que estar diante de um problema que depende da nossa ação para mudar.

Essa adaptação da frase de Drauzio Varella, que originalmente disse “Solidão, né, minha filha?” durante uma entrevista com uma presidiária no ano passado, viralizou com todos os ajustes possíveis para definir as nossas necessidades decorrentes do isolamento social (isso ainda no começo da pandemia, imagina agora!)

Mas é verdade, nós humanos somos seres sociais e isso tem implicações muito maiores do que apenas “que vivem em sociedade”.

Foi das nossas interações com outras pessoas e com o meio que vivemos que pudemos evoluir como civilização.

Mas focando aqui, no nosso mundinho, essa interação é também o que permite a nossa evolução como humanos.

Isso quer dizer que é impossível ser feliz sozinho?

Não necessariamente, podemos sim ser felizes, bem resolvidas, autossuficientes e aproveitar muito a nossa própria companhia, mas poder se relacionar com outros enriquece muito a experiência de existir.

E nessa pandemia tivemos que aprofundar a nossa relação com nós mesmas.

Já falamos sobre estarmos exaustas de nos sentirmos exaustas. Não aguentamos mais lives, já maratonamos todas as séries disponíveis nos streamings, já arrumamos os cantos mais obscuros dos nossos armários de uma forma que deixaria a Marie Kondo orgulhosa.

E ainda sentimos culpa por termos todas as possibilidades de fazer algo prazeroso sozinhas, de termos uma casa, de podermos ver filmes, séries e checar nossas mídias sociais à vontade, e não estarmos aproveitando isso.

Nos sentimos ingratas de podermos fazer tudo isso e não sentir vontade de fazer.

E aqui estamos falando das pessoas que estão sozinhas nessa pandemia. Temos que pensar também nas famílias, onde antes cada um tinha sua vida, suas tarefas e a hora de estar juntos em casa, compartilhando como foi o dia era um momento especial. A convivência 24 horas por dia, sete dias por semana também está sendo complicada para muita gente. Muitos relacionamentos foram fragilizados com a falta de espaço pessoal.

Tanto para um caso, o de se sentir sozinha, como para o outro, da convivência integral, você pode pensar: “É isso mesmo! O que fazer para isso passar?”.

Queria ter uma resposta, uma fórmula mágica, uma chave que a gente vira e para de se sentir desmotivada ou irritada.

Infelizmente não há.

Crédito: Unsplash/Sasha Freemind

O que posso dizer é que vamos sim recuperar o “joie de vivre”, nossa alegria de viver.

Haverá uma linda primavera florida depois desse longo e rigoroso inverno. Precisamos também achar a beleza nos momentos difíceis.

Se o recolhimento é necessário, que seja cheio de pequenos prazeres. Se mime sem culpa e não perca a esperança. Seja compreensiva com você e com os outros que estão com você.

E nessa última semana de conteúdos especiais para o mês das mães, onde falamos das dificuldades, das renúncias, sobre receber e compartilhar, queríamos falar um pouco sobre algo bastante sensível: as pessoas que não têm mais a mãe.

Seguindo a cronologia natural das coisas, todos vamos passar por isso em algum momento, e nunca estaremos prontas, mas estamos vivendo essa guerra invisível que tem levado muitas mães, muitas avós de forma precoce.

Dizem que quando você perde sua mãe, de certa forma, parece que sua infância, seu passado também deixam em parte de existir.

Perder alguém nunca vai ser justo, mesmo quando acontece de forma natural. Sempre vamos sentir que algo foi tirado de nós sem a nossa permissão. Roubaram de nós um tempo precioso que podíamos vivenciar com aquela pessoa.

Aprendemos a lidar com o vazio que as pessoas que se vão deixam, mas não esquecemos do que elas significaram.

Se você passou por isso, saiba que sua mãe, sua avó, todas essas pessoas seguem existindo de alguma forma dentro de você. Podemos falar com elas, mesmo que não respondam.

O que acontece após deixarmos de existir é um grande mistério. Cientistas, filósofos, religiosos, todos têm suas teorias, mas não sabemos comprovadamente o que vai ocorrer.

E mais do que pensar nisso, o importante é viver no agora, no tempo presente. É nele que podemos fazer algo. É nele que nossa ação importa.

A mensagem que a triste perda dessas mais de 400 mil vidas em nosso país nos passa é justamente que a vida é breve, um sopro. E por não termos controle nem conseguirmos prever quando será a nossa hora, precisamos viver ao máximo hoje, amar hoje, se divertir hoje, ajudar alguém hoje, enfrentar nossos medos hoje.

Ser a pessoa que queremos hoje mesmo.

E assim, vamos encontrar o sentido para a nossa existência.

Tudo bem se você não sabe seu propósito ou se não tem um projeto grandioso agora. Não se cobre ter um porque dizem que você precisa.

Mas aproveite o tempo presente. Sem romantizar o passado, sem ansiedade em relação ao futuro.

Viva hoje.

 

 

Para ler:
Somos seres sociais – Leonardo Fuita/Medium