Viver (com)paixão

Um sentimento que carrega em si vários outros sentimentos

Como sentir compaixão em tempos de… ranço?

Quando julgar e cancelar são ações muito mais fáceis do que compreender e educar?

Vivemos um tempo de muita tensão, de cansaço, de tristeza, de debates que logo se tornam apaixonados, não no sentido bom, mas no de virar um discurso acalorado que nos impede de ver com imparcialidade.

É nesse terreno que mais precisamos de compaixão.

Mas o que é compaixão? E qual a diferença da empatia? É simples. A compaixão contempla a empatia, que nada mais é do que “sentir” a dor do outro, se colocar no lugar. Mas a compaixão tem muitos outros sentimentos envolvidos e também pressupõe uma ação para ajudar quem está sofrendo ou precisa de acolhimento.

Ter compaixão parece fácil, mas não é. Buscar o autoconhecimento e o amor ao próximo quando estamos em um ambiente zen, meditando em meio a natureza não é um desafio. Os desafios estão no dia a dia, onde podemos de fato exercitar a compaixão: quando vemos uma situação de injustiça, quando alguém é agressivo de forma gratuita, quando nos deparamos com alguém que pensa de uma forma completamente diferente de nós.

Como se conectar com alguém, entender seu ponto de vista, quando essa pessoa tem opiniões e valores tão diferentes dos meus? Não existe uma só resposta para isso, mas aqui vão algumas sugestões de como incluir a compaixão na sua rotina. Porque compaixão você já tem. Todos temos. É um sentimento no leque de tantos outros pelos quais passamos.

 

Crédito: Daniel Barreto/Unsplash

Liberte-se do ego

Você pode pensar “ah pronto, além de ter que sentir simpatia por pessoas que não me agradam, agora preciso fazer um mergulho em mim que requer anos e anos de terapia?”. A resposta para isso é: calma! Mas sim, para olhar para o outro precisamos parar um pouco de olhar só para dentro. Não que se conhecer não seja importante, assim como validar ou mesmo atualizar nossos valores de tempos em tempos. Mas basta olhar para o lado para ver como a nossa sociedade está sempre tão centrada no seu próprio umbigo que sequer enxerga o que acontece ao redor. Por outro lado, nós estamos sempre preocupadas em ser julgadas, analisando em nossa mente cem vezes algo que falamos ou fizemos e dando voz para a insegurança que insiste em nos atormentar com pensamentos como “o que vão pensar disso?”. A verdade é que as pessoas não vão reparar tanto. Que nem naquele filme “Ele não está tão afim de você”, podemos adaptar para “As pessoas não são tão críticas com o que você faz”. Nós sempre estamos centradas e avaliando tudo que fazemos, o tempo todo. Talvez seja o caso até de exercitar uma autocompaixão. Parar de pensar demais e esmiuçar toda e qualquer ação. Aceitar que fizemos ou falamos algo porque era isso que estávamos sentindo naquele momento. Tudo bem se não foi a melhor coisa. A vida não é uma prova onde ganhamos ou perdemos pontos ao acertar ou errar. A vida é para ser vivida e sentida.

 

Ele não está tão afim de você (2009) – @cinematologia

 

Aprenda a dialogar fora da bolha

É natural nos aproximarmos de pessoas que pensam de forma semelhante a nossa e é muito bom estar entre elas. Vivendo nessas “bolhas de semelhança” podemos esquecer que existem pessoas que não concordam com coisas que para nós parecem básicas. Cada pessoa é uma somatória das experiências que viveu e das pessoas que serviram de referência. Num planeta com mais de 7 bilhões de pessoas, quantas possibilidades de narrativas diferentes não existem? E não precisa pensar muito longe, por exemplo, ao avaliar uma cultura onde consideramos que as mulheres são oprimidas. No seu próprio prédio ou bairro certamente coexistem pessoas que são completamente diferentes. Saber respeitar as diferenças, mesmo quando não concordamos com um ponto de vista é o primeiro passo para a compaixão.

 

Crédito: Alex Alvarez/Unsplash

Nenhuma dor é boba

Já que falamos de viver em bolhas, precisamos destacar que aquilo que é óbvio para nós pode não ser para os outros. Nós podemos achar uma grande bobagem alguém se sentir mal por causa do seu corpo ou seu cabelo. Afinal, “padrões de beleza estão aí para serem quebrados” ou “que bobagem se importar com aparência! A beleza está na diversidade”. Mas tem quem se importe. Tem pessoas em que isso dói. E não é porque para nós algo já está superado que para outras pessoas isso não tenha um peso. Não minimize a dor alheia. Não fale que não importa. Não diga “para de ser boba” ou “isso é bobagem”. Ouça. Ajude a pessoa a enxergar que a sua dor pode ser trabalhada e que você está lá para ajudar no que puder. Ter compaixão é acolher e estar próximo.

 

Crédito: Dzana Serdarevic/Unsplash

 

Seja gentil

Se estamos em um dia ruim, parece que o universo conspira para que cada coisinha que poderia dar errado dê mesmo. A tristeza e a irritação se amplificam, até mesmo em situações que normalmente não teriam importância. Sabemos que dias assim acontecem e que eles passam. Mas às vezes estamos bem e alguém da nossa família, trabalho ou círculo de convivência não está. E na primeira resposta atravessada, passivo-agressiva ou patada, nossa tendência natural é a de revidar. De jogar o erro ou a forma ruim de se comunicar na cara da pessoa. E no calor do momento isso acontece bastante. Mas precisamos disso? Precisamos provar que estamos certas criticando os outros? Não precisamos. É possível mostrar que se está certa sem partir para um combate. E não precisa ser uma santa ou deusa budista para ser inabalável diante de uma situação que nos tira do sério. E já aviso que tem vezes que não será possível segurar a bronca. Mas considerando que são pessoas que gostamos ou que devemos conviver, é válido fazer o exercício da comunicação não violenta, da escuta empática e pensar “por que a pessoa está agindo assim?”, “qual dor ou necessidade ela está sentindo?”, “eu posso fazer algo para ajudar?”. Se todos pensassem em como poderiam tornar o dia de alguém melhor, minimamente que seja, nossa evolução como sociedade seria incrível.

 

Crédito: Clay Banks/Unsplash

 

Porque compaixão é isso. Algo que todos podemos fazer no dia a dia, o simples ato de ouvir e acolher sem julgar.

Não se trata somente dos atos heroicos ou de grande sacrifício pessoal ou material que vemos na TV e internet. O exercício de olhar e focar no outro é algo que está ao alcance de todas nós. Cada novo dia oferece uma situação em que podemos exercer a compaixão em algum nível. Ela é um sentimento, assim como a raiva, o medo, a insegurança e o amor. Faz parte da experiência de viver nesse planeta.

Para viver os nossos dias de forma mais leve, considerar os sentimentos de quem compartilha essa existência com a gente é transformador.

Tenha compaixão e viva com paixão.

Nós precisamos de outras pessoas, mesmo daquelas que não concordamos, porque essa é a única forma de evoluir. Sem essas situações que desafiam nossos sentimentos e valores, simplesmente não sairíamos do lugar. Quanto mais exercitamos esse olhar, mais entendemos que não existem “eles x nós”.

O que nos torna semelhantes é muito maior do que aquilo que nos diferencia.

Seja você, mas se permita se colocar no lugar do outro.