O Ciclo da Borracha foi um episódio muito importante da nossa história e para o desenvolvimento da região Norte. Resgatar a extração do látex, de forma sustentável e com o propósito de gerar renda para comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas e de assentados tem sido a missão de Zélia Damasceno e Francisco Samonek. A partir do resgate de uma técnica de tradição indígena, com a evaporação natural do látex sobre o tecido, nasce o material que hoje é transformado em sandálias, folhas decorativas inspiradas na flora amazonense, como vitória-régia, taioba, capeba, algodoeiro, cupuaçu e cacau, e ainda descanso para panelas, embalagens, ecobags e muito em breve biojóias da marca seringÔ (@seringooficial), produtos todos biodegradáveis.
No passado, os sacos encauchados, ou seja, com tecido revestido pelo látex, eram muito utilizados para transportar materiais sem que eles se molhassem. “Há 30 anos não se produz borracha na Amazônia. Mantemos a chama acesa dessa cultura de toda uma identidade com um viés diferente, não pelo agronegócio, mas com a agricultura familiar, do empreendedorismo que gera um produto de valor agregado, tecnologia social e qualidade de vida para os artesãos que se tornam guardiões da floresta, já que dela tiram a matéria-prima que trabalham. É uma extração que mantém as árvores vivas, sem retirar mais que o necessário”, explica Francisco. Ao receber sua certificação de produtores orgânicos, cada família ou unidade comunitária deve zelar por uma área que tem entre 80 e 400 seringueiras. Os artesãos viram agentes ativos no combate ao desmatamento da Amazônia.
Atualmente as peças artesanais são fonte de renda para 75 comunidades no Pará, e de outras no Acre e Amazonas. A Poloprobio – Polo de Proteção da Biodiversidade e Uso Sustentável dos Recursos Naturais – estimula que cada comunidade tenha um mercado próprio e venda os produtos de forma local. Trabalhar com o látex foi uma solução para muitas famílias que dependiam da plantação de açaí cuja colheita dura apenas três meses do ano. A ONG oferece o kit inicial de materiais, ensina a técnica e a fazer os moldes para que o trabalho aconteça.
O impacto ocorreu principalmente sobre as mulheres, que antes se dedicavam apenas às atividades domésticas e que com o artesanato conseguiram sua autonomia. “Quando começamos esse trabalho nas comunidades percebemos que as mulheres eram muito submissas. Os maridos que trabalhavam. Nós vemos muita alegria quando as mulheres podem ter uma renda, comprar coisas para elas com seu próprio dinheiro ou mesmo para os filhos, seja uma roupa ou caderno novo. Ao longo dos anos vimos o verdadeiro empoderamento das mulheres, elas foram para a universidade ou têm filhos que estão cursando a faculdade e ficamos muito felizes de ver que nosso trabalho, de contribuir com a estrutura para essas famílias gerarem renda, reflete na educação, na saúde, no dia a dia e no ambiente”, conta Zélia, que afirma que sempre que é montada uma unidade de criação e qualificação, surgem multiplicadores que passam a técnica para outras comunidades ou famílias produzirem.
Todo um cenário está mudando ao resgatar a cultura da borracha. Antes muitas mulheres iam para a cidade, mas lá não encontravam trabalho e acabavam voltando para suas comunidades, às vezes com filhos, e todos dependiam da aposentadoria dos pais. O artesanato derivado do látex permite que as famílias continuem em seus territórios e gerem renda lá.
Zélia e Francisco tiveram o cuidado de criar unidades coletivas para o aprendizado das técnicas e também unidades familiares ao verem que era muito oneroso para algumas mulheres deixarem suas casas e gastarem com combustível do barco para a locomoção até a unidade coletiva de produção. A criação de unidades anexas às casas das famílias permitiu a realização de outras atividades cotidianas e o artesanato como um complemento. Hoje as mulheres ganham cinco vezes mais com a borracha do que os maridos ao utilizarem o material para o artesanato.