Amar a terra é amar você

Estamos todos conectados.

Estamos todos conectados.

Existe um universo particular dentro de cada um de nós. Temos nossos gostos, ideais, sonhos. Alguns compartilham as mesmas características. Outros são totalmente opostos…

Mas tem algo que une todos nós, sem exceção: compartilhamos o mesmo lar, a mesma terra.

Vivemos, agora ainda mais, isolados por conta de uma pandemia. Na cidade e com um ritmo frenético de vida muitos de nós perderam o contato com essa essência, essa raiz, com a natureza, embora sejamos totalmente dependentes dela.

Ao resgatar esse contato de origem, resgatamos algo de nossa própria essência, o que há de selvagem em cada um de nós, no sentido de instinto, intuição. Buscar esse sagrado feminino é um trabalho onde devemos olhar para dentro para entender nossa conexão com o que está fora.

Da mesma forma que a maternidade, para quem escolheu esse caminho, muda a gente e continua a mudar, temos uma relação semelhante com a terra, que é a nossa mãe. Temos que atuar para que nossa mudança nela seja positiva.

Está é uma homenagem do Free Free pelas mulheres que trabalham com a nossa mãe-terra.

Se amar é amar o planeta.

Sonia Guajajara – Ativista e liderança indígena

“A luta pela terra sempre foi a luta maior dos indígenas no Brasil. Sempre tratamos a terra como sagrada, como mãe, e nesse momento, a terra está totalmente ameaçada e nós estamos na linha de frente. Precisamos entender que a terra garante o sustento da vida, não só para nós indígenas, mas para toda a humanidade. Ela mantém a vida no planeta. Apoiar a causa indígena é apoiar sua própria existência.

Essa pandemia, assim como outras doenças e vírus que aparecem com frequência, estão ligados à essa exploração desenfreada da terra, desse uso predatório, da centralização na mão de poucas pessoas, tudo isso provoca desequilíbrio e a terra reage. Precisamos mudar essa forma de exploração e de produção para atender o poder econômico. Se a gente não mudar, todos corremos sérios riscos.

A terra não é só um lugar, é um conjunto que inclui a água, o alimento, o ar, a chuva. Esse território, essa terra completa, é o que queremos para todo mundo. Que as pessoas possam ter liberdade, segurança e viver seu próprio modo de vida conforme sua identidade”.

Antonia de Oliveira Melo – Agricultora ecológica e artesã

 

“Desde mocinha sempre vivi no interior e agora trabalho com as minhas verduras, frutas e com cipó para artesanato. Gosto de trabalhar e tenho muitas plantas no meu sítio. Tenho 63 anos, mas sigo trabalhando e sou apaixonada pelo que faço.

Faço canteiros grandes, gosto de mexer com a terra, com a mão, do meu jeito.

De artesanato faço muitas coisas, bolsa, abajur, cesta, tenho até porta álcool gel.

Falo para o meu pessoal, quando vamos tirar o cipó, para pegar só o que estiver maduro e deixar os verdes. Não trabalho com veneno, só com produtos naturais como o tucupi da mandioca e a andiroba que borrifo nas plantas.

Saio do trabalho com o tecido e vou para minhas verduras, e depois das verduras vou tecer deitada na minha rede. Assim vou levando.

Eu aprendi com as minhas colegas e com a minha mãe a fazer peneira, vassoura, tapetes, e também inventei muita coisa que ensinei para elas.

O nome do meu sítio é Sítio Maravilha, tenho o Artesanato Maravilha e a Horta Maravilha, eu também sou Antonia Maravilha. Tudo é”.

Marina Antogiovanni – Doutora em Biologia e cientista com Phd em Ecologia

 

“Minha experiência começou quando eu tinha 19 anos e fui trabalhar em um projeto de manejo de lagos em Santarém, com pescadores de pirarucu. Depois todo ano fazia trabalhos na Amazônia com ecologia, alguns ligado à academia, outros ligados à questão de conservação das populações tradicionais, estudando como as pessoas enxergam seu território.

A terra é muito sagrada para essas populações, é uma referência de origem, de quem elas são. Quando uma pessoa de fora chega e não tem conhecimento da história daquele povo, não consegue entender o valor dado para uma área que às vezes nem é bonita ou biodiversa, mas que tem um significado importante para a origem dessas pessoas.

Uma coisa que me marcou é que quando eu estava em Santarém meu irmão ia se casar em São Paulo. Tive que pegar um avião até Altamira e depois fui de ônibus para São Paulo, então atravessei toda a Transamazônica e conheci muitas pessoas diferentes, algumas que vieram de fora, se estabeleceram lá e precisaram se conectar com aquele território. Essa história de um grande vazio amazônico é uma tolice. As pessoas que estão lá conhecem e entendem as terras indígenas e têm uma ligação muito forte com elas.

Em 2010 fiquei grávida do meu primeiro filho e meu marido passou em um concurso então viemos para Natal, quando comecei a trabalhar com a caatinga e descobri uma nova paixão. Temos a ideia de ser um lugar árido, feio, com pobreza, desolação e uma vida sofrida, mas não é nada disso. É uma terra que tem resiliência, que uma hora está esturricada e se chove só um pouquinho já fica verde e linda.

É um bioma muito negligenciado no Brasil e somente há poucos anos começou a ter estudos de ecologia aqui. É incrível que tem muito a ver com as condições climáticas e temos que ter cuidado porque as previsões são bem catastróficas para a caatinga. Quando se desmata a Amazônia o clima muda. Com o aquecimento global pode aumentar cinco graus na caatinga e tornar algumas áreas desérticas, áreas que são ricas e sóciobiodiversas, além de ser a região semiárida mais populosa do mundo, o que vai afetar muitas pessoas.

Quero que as próximas gerações, meus filhos e meus netos possam ver um rio grandioso correndo livre, sem nenhum barramento, que possam entrar na floresta e sentir a sensação de que realmente são pequenos diante daquela grandiosidade, que conheçam pessoas diferentes deles, como indígenas e ribeirinhos, e sintam empatia por elas, que reconheçam a riqueza em todos os ambientes naturais e que possam ver essa beleza no futuro. Um mundo só com galinha, gato, cachorro e boi é muito sem graça. Eles, meus filhos, netos e as próximas gerações, merecem muito mais do que isso”.

Fe Cortez – Ativista ambiental, idealizadora da plataforma Menos 1 Lixo e defensora Mares Limpos pela ONU Meio Ambiente

 

“Eu entendo que a gente é natureza. Então não estamos defendendo só a natureza, a gente está se defendendo. Me tornei ativista há cinco anos quando lancei a Menos 1 Lixo que é uma plataforma de empoderamento das pessoas para que elas tenham uma nova visão de como se relacionam com o meio ambiente. A mudança começa na gente. Isso aconteceu após eu ver o filme ‘Trashed’ que é um documentário com o Jeremy Irons onde ele percorre o mundo para entender para onde vai o lixo e eu fiquei chocada com o que acontece. Isso me despertou uma das primeiras lembranças que eu tenho, de que eu queria ser ecologista. Tenho esse desejo da alma de trazer reflexões e mostrar para as pessoas que podemos viver de outra maneira, mais harmoniosa com a nossa gaia, que permite uma vida tão abundante.

Nós já estouramos todos os limites. Se quisermos continuar vivos aqui, temos que mudar nossa relação com o consumo e entender que a gente pode mudar a nossa relação com o planeta, de exploradores para regeneradores.

Isso também passa por uma mudança de valores, porque estamos explorando para consumir e consumindo para sermos aceitos, para preencher um vazio emocional e se encaixar nessa civilização. Se a gente quiser rever nosso papel aqui, temos que fazer um processo de autoconhecimento, um trabalho profundo de sair do raso que o capitalismo oferece para entender que a gente é muito mais do que consumidores de passagem aqui na terra e que podemos ressignificar a nossa vida e a relação com o nosso entorno.

O Brasil é retrógrado em todas as pautas ambientais. A questão do lixo vem de todos os governos. A gente vê o resíduo como lixo e precisamos incluir o custo ambiental dele. Precisamos de soluções efetivas e cidadãos conscientes na hora de votar. Na questão da gestão de resíduos, temos uma das melhores leis do mundo, mas ela não pega. Não cobramos que prefeitos sejam presos se eles estiverem desviando resíduos para lixão. Somos a única espécie no planeta que gera lixo, todas as outras espécies têm resíduos que servem como matéria-prima ou são reaproveitados. A gente cria coisas que depois da sua vida útil não servem para nada. O Brasil tem a maior biodiversidade do mundo e a gente teria tudo para gerar uma economia circular. O lixo e a poluição são consequências de todo um sistema, são só a ponta do iceberg”.

Paulina Chamorro – Jornalista do podcast “Vozes do Planeta”, co-founder da “Liga das Mulheres pelos Oceanos” e colaboradora da National Geographic no programa “Mulheres na Conservação”

 

“Sou chilena e desde criança tive uma relação muito forte com o meio ambiente. Fui escoteira e vivia em frente ao Oceano Pacífico, então passava muito tempo próxima ao mar. Essa conexão foi natural. Quando cheguei ao Brasil vi essa fartura, essa riqueza de biodiversidade. Para quem vem de fora é muito impactante ver isso tão próximo. Foi natural eu seguir esse caminho profissional e eu queria contar para as pessoas o que via, essas conexões com a natureza que não são algo distante, porque nós somos a natureza, fazemos parte disso.

Eu acho que a gente tem que ser humildemente humano. Temos que entender que não somos uma espécie melhor que as outras, pelo contrário. Somos uma espécie que está tentando se sobrepor às outras, que demanda recursos e devolve como lixo ou desperdício. A gente criou uma sociedade de consumo que está causando tudo isso que estamos vendo. Nossa própria saúde está ameaçada por um impacto que estamos causando, justamente porque perdemos essa ideia de conexão com a natureza, que os indígenas têm. Perdemos a ideia, se é que tivemos alguma vez, de que tudo o que a gente faz volta para a gente de alguma forma. A questão da pandemia está diretamente associada à degradação ambiental e é apenas uma das situações que vamos viver dentro das mudanças climáticas. Algo difícil de ser revertido, mas não impossível, e diretamente causado pela ação humana. Ser humildemente humano é entender que somos uma espécie a mais dentro desse planeta. Se não entendermos, a gente vai sair dessa pandemia repetindo os mesmos erros com o grande desafio que são as mudanças climáticas que atingem a todos.

Ano passado junto com duas amigas, uma bióloga e uma fotógrafa, criamos um movimento de rede de mulheres que lutam pelos oceanos, a “Liga das Mulheres pelos Oceanos”, onde além de nos conectar, trabalhamos com comunicação e pesquisa para chamar atenção para os oceanos através da força feminina, com o olhar de empatia, acolhedor e sustentável que a mulher tem, uma capacidade de educação ambiental e de passar a mensagem da conservação para essa e para as próximas gerações.

Acredito muito no empoderamento feminino e igualdade de gênero para um planeta mais sustentável, mais coletivo, de pontes e conexões, de respeito à natureza.

 Junto com o fotógrafo João Marcos Rosa tenho o projeto de documentários ‘Mulheres na Conservação’ para destacar os grandes projetos de conservação no Brasil, um dos países com a maior biodiversidade do mundo, que estão na mão de mulheres. Não vemos isso espelhado na mídia e na comunicação. Toda vez que falamos de pesquisa vem na cabeça um homem, e essa não é a realidade aqui no Brasil. Queremos mostrar a importância das mulheres na pesquisa e do trabalho delas que requer muita resistência. Elas ficam em campo às vezes mais de 30 dias, algumas com filhos pequenos, dormem em redes ou barracas, andam de barco, às vezes com equipes formadas só por homens, tudo para catalogar a fauna brasileira, por exemplo. Isso é muito inspirador. Sonho que a gente crie um dia um álbum de figurinhas, assim como existem os de basquete ou futebol, que mostre a mensagem dessas mulheres, que inspire as crianças a serem como elas.

Devemos utilizar esse momento, essa necessidade de parar tudo, para repensar o que realmente importa. Tenho um amigo que fala que deixamos de ser seres humanos para sermos ‘teres humanos’. Essa ressignificação do que é ser humano nesse momento é fundamental”.